O programa compete com a reforma agrária?
Não. Os arrendamentos e parcerias foram imaginados
essencialmente como uma forma de acesso à terra para trabalhadores rurais e
como programa complementar à reforma agrária do governo, utilizando uma
alternativa de mercado para minimizar o problema dos sem-terra e,
principalmente, dos sem-capital no meio rural. Todo o esforço do governo em
prol da reforma agrária permanece rigorosamente válido, pois terra é um direito
de todos.
Entretanto, há um público-alvo da reforma agrária que
aguarda sua oportunidade de comprar terra. Havendo interesse entre as partes
(proprietários e trabalhadores rurais não-proprietários), oferece-se uma
alternativa à aquisição imediata de terra, através da formação de consórcios ou
condomínios para arrendamentos ou parcerias. Essa alternativa pode ser vista
como uma "escada" para a compra da terra: primeiro o arrendatário
adquire experiência na gestão de um estabelecimento, passa a gerar poupança e
depois vai subindo os degraus até a aquisição de terra.
Por que o público-alvo é o trabalhador rural
não-proprietário?
É muito simples: porque este é o público-alvo mais difícil
de se trabalhar. O maior desafio é tentar fazer alguma coisa pelo trabalhador
que não tem terra e, pior, não tem capital. A falta das garantias é um sério
obstáculo ao atendimento desse público-alvo.
O consorciamento ou o condomínio permitem a constituição de
um "capital social" que poderá alavancar crédito. Além disso, no
Brasil de hoje, as possibilidades de acesso a capital aumentam muito quando os
produtores se associam. Há novas linhas de crédito que estão em pleno
desenvolvimento para esses grupos. Falta avançar nas formas jurídicas de
associação entre os trabalhadores e pequenos produtores rurais e os
proprietários de terra.
O programa exclui pequenos proprietários rurais da
agricultura familiar?
É claro que não. Eles poderão participar dos consórcios e
condomínios como membros associados ou formar seus próprios grupos. A
participação desse público pode produzir um efeito emulação -- pelo seu foco em
escala, incentivando outros produtores a formarem seus grupos.
Por que incluí-los nos consórcios e condomínios? Porque são
produtores que, se não tiverem acesso à terra e a capital barato, também serão
expulsos do meio rural no futuro próximo.
O pequeno produtor rural pode ser o trabalhador rural sem
terra de amanhã. E se quisermos resolver o problema do trabalhador rural,
teremos que resolver também o problema do pequeno produtor rural de hoje.
O que as pesquisas indicam?
A tecnologia na agricultura vem incorporada nas sementes
melhoradas, capazes de dar alto nível de resposta à fertilização, nos
fertilizantes e adubos, nos defensivos etc. Estes são os componentes da
tecnologia biológica. Mas há também a tecnologia na agricultura que vem
incorporada nos implementos, máquinas e equipamentos. E estas formas de
tecnologia -- a biológica e a mecânica -- estão associadas ao capital. Por esta
razão o acesso ao capital -- juntamente com a assistência -- é muito importante
para gerar renda na agricultura familiar.
Se o capital é escasso, é necessário concentrar esforços
para ter acesso a ele nos níveis mínimos recomendados pela assistência técnica.
No quadro atual de falta de capital, talvez não valha tanto
à pena, do ponto de vista da eficiência, imobilizar capital em terra. Mas vale
à pena buscar a posse da terra por meio de arrendamentos e parcerias, e
utilizar ao máximo o escasso capital próprio ou de terceiros na produção.
Trata-se de criar uma empresa no campo?
Sim. No futuro, os consórcios e condomínios deverão evoluir
para uma empresa mais avançada, permitindo associações de trabalho, capital e
tecnologia. Trata-se de empresa com fins lucrativos, e não de uma associação,
que tem objetivos comuns mas não tem fins lucrativos. No futuro, será um
empreendimento comercial com forte cunho de sociedade de capital, pois capacita
os produtores a exercerem os deveres e direitos de uma associação de capital. A
empresa tem o mais estreito relacionamento pessoal entre os sócios e a vontade
comum de somar esforços para a geração de renda.
Apenas trabalhadores sem terra e pequenos produtores rurais
participam do consórcio e do condomínio?
Podem participar do consórcio ou condomínio todas as pessoas
físicas e jurídicas dedicadas à exploração da agropecuária. Nos seus estatutos
não há discriminação de qualquer natureza. Trata-se de uma organização em torno
da construção de capital de exploração agropecuária, sendo inclusive uma
sociedade aberta, ou uma sociedade comercial de capital totalmente aberto, onde
convivem produtores e podem conviver empresas, sócios proprietários de terra,
profissionais de ciências agrárias, enfim, todos quantos entenderem que vale à
pena uma associação de trabalho, competências profissionais, especializações e
alto grau de profissionalização para geração de renda. O sistema acomoda
quaisquer arranjos de capital e trabalho. Em sua forma mais simples, é formada
por um grupo de 4 a 5 famílias de produtores organizados em torno de um projeto
comum.
Assim, além da democratização do acesso à terra, há também a
democratização do acesso ao capital - hoje o fator de longe mais escasso na
agricultura.
Os proprietários de terra podem participar dos
consórcios/condomínios?
Sim. A participação se dará no limite do valor do
arrendamento das terras, através dos resultados do consórcio/condomínio, como
empreendimento capaz de gerar um fluxo de caixa suficiente para recompensar
todos os participantes, independentemente de seu aporte de recursos,
principalmente o trabalho. No consórcio ou condomínio, o proprietário terá,
como todos os demais, apenas um voto nas reuniões. A sociedade comercial está
baseada no fluxo de caixa gerado pela competência dos participantes.
Nesse regime de associação, quanto mais o proprietário
participar, de todas as formas possíveis, tanto maior será o fluxo de caixa do
empreendimento. Estas oportunidades de associação não têm sido convenientemente
exploradas no país.
Os proprietários e as empresas processadoras de produtos
agrícolas, de acordo com exemplos bem-sucedidos no Brasil, atuam até mesmo como
garantidores de créditos, quando a atividade tem baixo risco tecnológico (como
no caso da irrigação).
Os trabalhadores podem participar do grupo apenas com o
trabalho?
Sim. O grupo do consórcio ou condomínio é aberto. Abriga
também o sócio que quer participar apenas com o trabalho. Ele poderá ser sócio
condômino ou consorciado como outro membro qualquer. Poderão participar não só
proprietários de bens imóveis, mas também proprietários de bens móveis,
máquinas, veículos e equipamentos e que queiram utilizar todo o seu capital
disponível. Assim como na agricultura não existe capital sem trabalho, não
existe trabalho sem capital.
Como os participantes irão perceber rendimentos?
O empreendimento tem que ser viável o suficiente para gerar
renda, resultados tangíveis, fluxo de caixa. O fluxo de caixa gerado pelo
empreendimento é que remunerará os participantes do "arranjo
societário". Além disso, temos que garantir um regime de capitalização
para as necessidades crescentes de maiores investimentos. Quando um grupo
atinge uma escala mínima viável, ele vê que precisa de mais investimento. E nem
sempre a geração de recursos próprios e de terceiros é suficiente para
sustentar o crescimento do negócio. Estamos interessados em criar a
possibilidade de que a participação no consórcio ou condomínio dependa da
capacidade de um conjunto de pessoas gerar renda suficiente para sustentar uma
sociedade de trabalho e capital com perspectiva de crescimento.